quinta-feira, 15 de abril de 2010


QUANDO TUDO ACONTECEU...

O maior escritor infantil brasileiro de todos os tempos, José Bento Monteiro Lobato, nasceu em 18 de abril de 1882, em Taubaté (SP). Cresceu numa fazenda, se formou em direito sem nenhum entusiasmo, já que sempre quis ser pintor! Desenhava bem! Quando estudante, participou do grupo "O Cenáculo" e entre risadas e leituras insaciáveis, escreveu crônicas e artigos irreverentes. - Em 1907 foi para Areias como promotor público, casou com Maria Pureza com quem teve três filhos. Entediado com a vida numa cidade pequena, escreveu prefácios, fez traduções, mudou para a fazenda Buquira, tentou modernizar a lavoura arcaica, criou o polêmico "Jeca Tatu", fez uma imensa e acalentada pesquisa sobre o SACI publicada no Jornal O Estado de São Paulo. - Em 1918 lançou, com sucesso, seu primeiro livro de contos URUPÊS. Fundou a Editora Monteiro Lobato & Cia, melhorando a qualidade gráfica vigente, lançando autores inéditos e chegando à falência. - Em 1920 lançou A MENINA DO NARIZ ARREBITADO, com desenhos e capa de Voltolino, conseguindo sua adoção em escolas e uma edição recorde de 50.000 exemplares. - Fundou a Cia Editora Nacional no Rio de Janeiro. Convidado pra ser adido comercial em New York ficou lá por 4 anos (de 1927 a 1931) fascinado por Henry Ford, pela metalurgia e petróleo. Perdeu todo seu dinheiro no crash da bolsa. - Voltou para o Brasil, se jogou na Campanha do Petróleo, fazendo conferências, enviando cartas, conscientizando o país inteiro da importância do óleo. Percebeu, então, o quanto era conhecido e popular. Foi preso! Alternou entusiasmo e depressão com o Brasil. - Participou da Editora Brasiliense, morou em Buenos Aires, foi simpatizante comunista, escreveu para crianças ininterruptamente e com sucesso estrondoso, traduziu muito e teve suas obras traduzidas. - Morreu em 4 de julho de 1948 dum acidente vascular. - Suas obras completas são constituídas por 17 volumes dirigidos às crianças e 17 para adultos englobando contos, ensaios, artigos e correspondência..

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/monteiro_lobato.htm

quinta-feira, 25 de março de 2010

'Eletrônicos duram 10 anos; livros, 5 séculos', diz Umberto Eco

O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. "Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade" - é a sua preferida. "Não li nenhum", começa a segunda. "Se não, por que os guardaria?"

Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros ("muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques", informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril.

A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento - naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada - encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. "Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes", comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.

Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros - que, no momento, lideram sua preferência - como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos - caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações.

Aos 78 anos, Eco - que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) - exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco - envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) - conversou com a reportagem do Sabático.

O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?

O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.

Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?

A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar - muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa - é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.

Não é possível prever o futuro da internet?

Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.

Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?

O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias - de Paris a Nova York, por exemplo - sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?

É possível existir contracultura na internet?

Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.

Em um determinado trecho de 'Não Contem Com o Fim do Livro', o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória - que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.

De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos - até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?

No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.

Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.

Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?

Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto - o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.

Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?

Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil - o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.

Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?

Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).

Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.

E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas - por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia O Pêndulo de Foucault, fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.

Por falar em 'O Pêndulo de Foucault', comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código de Da Vinci, de Dan Brown.

Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: "O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros." Respondi: Não é que eu não goste de você - afinal, eu criei você (risos).

Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?

De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.

Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?

Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. "Por quê?", perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances - até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.

O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?

Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro A Estrutura Ausente. Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em O Pêndulo de Foucault.

Publicado em O Estado de S. Paulo de 13/03/2010.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Agora, entregar o que promete

Artigo de A.P. Quartim de Moraes publicado em O Estado de S. Paulo em 16/02/2010.

Auspiciosa a notícia da inauguração, no último dia 8, da Biblioteca de São Paulo. Plantada no Parque da Juventude, área onde funcionou até poucos anos atrás a tristemente lembrada Casa de Detenção do complexo do Carandiru, a Biblioteca de São Paulo propõe-se ao audacioso desafio de funcionar como um centro dinâmico de cultura, um modelo inovador de biblioteca tecnologicamente equipado para se integrar à comunidade, atrair leitores e promover o hábito da leitura. E, paralelamente, treinar profissionais para a rede de bibliotecas municipais e privadas (mais de 900) espalhadas por pouco mais de 600 cidades do Estado.


Esse é o importante serviço a ser prestado a São Paulo e ao Brasil pela nova unidade da Secretaria da Cultura do Estado. Mas outro serviço, certamente não menos relevante, a Biblioteca de São Paulo já prestou ao País: comprovou a agilidade e eficiência de um modelo de gestão que permitiu a sua instalação completa e sua inauguração em prazo inacreditavelmente curto para uma obra pública desse porte.


Tal qual já ocorre com a Casa das Rosas, o Museu da Língua Portuguesa, a Casa Guilherme de Almeida e o projeto São Paulo: Um Estado de Leitores (Spel), a Biblioteca de São Paulo está vinculada à organização social Poiesis - Associação dos Amigos da Casa das Rosas, da Língua e da Literatura, associação civil sem fins lucrativos que, nessa condição, está desobrigada de se submeter ao enorme cipoal de entraves burocráticos que regula, por exemplo, a licitação de obras na administração direta. Caso exatamente inverso, e tristemente significativo, é o da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, a maior biblioteca do Estado e a segunda do País, superada apenas pela Biblioteca Nacional, que está há três anos fechada à espera de que a burocracia oficial se entenda sobre objetivos, custos e prazos de uma reforma há décadas reclamada, já muito bem concebida e planejada, mas que ninguém ousa prever quando será finalmente completada.


Não se pode comparar, é claro, de um lado, o porte de uma instituição como a Mário de Andrade, que reúne um acervo de cerca de 3,2 milhões de itens documentais num prédio de 22 andares, e, de outro, o tamanho da biblioteca estadual, com 4.200 metros quadrados e acervo inicial de 40 mil livros, CDs e DVDs (até porque esta última não se propõe a ser apenas, ou principalmente, um depositório de acervos). Mas a comparação entre os modelos de gestão aplicados na reforma de uma e na instalação de outra explica, para além de qualquer dúvida ou tergiversação estatizante, por que a Mário de Andrade está fechada há três anos, enquanto o projeto de criação da unidade estadual foi concebido e realizado em poucos meses.


Há menos de dois anos o secretário de Cultura, João Sayad, foi buscar na capital chilena o modelo da Biblioteca de Santiago, fundada em 2005 com a proposta inovadora de transformar o conceito tradicional de gabinete de leitura em centro dinâmico de cultura voltado para uma intensa ação proativa na captação de "clientes", especialmente o público jovem - e, consequentemente, no incentivo ao hábito da leitura. É claro que, como ocorre na de Santiago do Chile, na nova biblioteca paulista será possível também consultar e até tomar emprestados livros de um acervo que, inicialmente modesto, certamente crescerá com novas aquisições e doações. E a captação desse acervo deverá dar atenção especial a lançamentos editoriais mais recentes e bem-sucedidos em vendas, como parte importante da estratégia considerada mais adequada para atrair o público jovem. João Sayad costuma dizer que a Biblioteca de São Paulo "precisa parecer e atuar mais como uma livraria do que como uma biblioteca tradicional". E a arquitetura interna, associada à decoração da nova unidade, remete realmente à ideia de uma dessas modernas, amplas e coloridas megalivrarias que nos últimos anos passaram a conquistar espaço nos shopping centers, e não ao ambiente sisudo e silencioso de uma biblioteca tradicional.


Tudo muito bonito, colorido e promissor. Até pela natureza quase lúdica do trabalho que se propõe a desenvolver, e da agilidade para tanto que o modelo de gestão de uma organização social propicia, a visibilidade pública da nova biblioteca está praticamente garantida. Mas igualmente muito importante - embora certamente menos charmosa -, porque se bem-sucedida resultará na multiplicação dos efeitos positivos de uma ação cultural voltada para o livro e a leitura, será a tarefa de preparar profissionais para atuarem nas centenas de bibliotecas públicas e privadas que se espalham por todo o Estado. As municipais, principalmente, são em sua grande maioria absolutamente carentes de mão de obra minimamente especializada. E por isso a triste realidade é que não funcionam.


O quadro de funcionários de uma biblioteca, e não necessariamente apenas os atendentes, deve ser constituído, por definição, por profissionais preparados e dedicados à mediação da leitura. É verdade que nem mesmo nas grandes livrarias é fácil encontrar atendentes familiarizados com livros. É clássica, tanto quanto folclórica, a história do "livreiro" que, solicitado a ajudar na procura de Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, encaminhou o leitor à estante de agricultura. Mas o comércio varejista não tem obrigação - e, geralmente, nem vontade - de entender de livros. Já do poder público é razoável esperar que cumpra por inteiro as responsabilidades que assume.


Vamos torcer, portanto, para que a Biblioteca de São Paulo nos entregue tudo o que promete

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Leituras para o verão

Texto de José Saramago publicado em Diário de Notícias (Portugal) em 10/07/2009

Com os primeiros calores, já se sabe, é fatal como o destino, jornais e revistas, e uma vez por outra alguma televisão de gostos excêntricos, vêm perguntar ao autor destas linhas que livros recomendaria ele para ler no Verão. Tenho-me furtado sempre a responder, porquanto considero a leitura actividade suficientemente importante para dever ocupar-nos durante todo o ano, este em que estamos e todos os que vierem.

Um dia, perante a insistência de um jornalista teimoso que não me largava a porta, resolvi ladear a questão de uma vez por todas, definindo o que então chamei a minha "família de espírito", na qual, escusado será dizer, faria figura de último dos primos. Não foi uma simples lista de nomes, cada um deles levava a sua pequena justificação para que melhor se entendesse a escolha dos parentes.

Incluí nos Cadernos de Lanzarote a imagem final da "árvore genealógica" que me tinha atrevido a esboçar e repito-a aqui para ilustração dos curiosos. Em primeiro lugar vinha Camões porque, como escrevi em O Ano da Morte de Ricardo Reis, todos os caminhos portugueses a ele vão dar. Seguiam-se depois o Padre António Vieira, porque a língua portuguesa nunca foi mais bela que quando a escreveu esse jesuíta, Cervantes, porque sem o autor do Quixote a Península Ibérica seria uma casa sem telhado, Montaigne, porque não precisou de Freud para saber quem era, Voltaire, porque perdeu as ilusões sobre a humanidade e sobreviveu ao desgosto, Raul Brandão, porque não é necessário ser um génio para escrever um livro genial, o Húmus, Fernando Pessoa, porque a porta por onde se chega a ele é a porta por onde se chega a Portugal (já tínhamos Camões, mas ainda nos faltava um Pessoa), Kafka, porque demonstrou que o homem é um coleóptero, Eça de Queirós, porque ensinou a ironia aos portugueses, Jorge Luis Borges, porque inventou a literatura virtual, e, finalmente, Gogol, porque contemplou a vida humana e achou-a triste.

Que tal? Permitam-me agora os leitores uma sugestão. Organizem também a sua lista, definam a "família de espírito" literária a que mais se sentem ligados. Será uma boa ocupação para uma tarde na praia ou no campo. Ou em casa, se o dinheiro não deu para férias este ano.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Passando a noite em uma biblioteca

Dormir na morada dos livros: uma aventura vivida por uma turma de portugueses

No fim da tarde de um sábado de maio, os funcionários da Biblioteca Municipal de Seixal, a 30 quilômetros de Lisboa, organizavam as estantes de livros. Embora esse fosse o procedimento-padrão antes de encerrar o expediente, naquele dia a arrumação tinha outro motivo: receber um grupo de 20 meninos e meninas, entre 8 e 11 anos, que iriam passar a noite ao lado dos livros. Oito e meia da noite era a hora marcada para começar a exploração de um am
biente repleto de saberes, com muita leitura e contação de histórias, e que só terminari a na manhã seguinte.


Ao chegar, para que todos se conhecessem, nada de apresentações formais. Os pequenos preencheram os crachás uns dos outros. Enquanto Diogo, o mais velho do grupo, fazia o de Beatriz, ela revelou uma de suas leituras preferidas: a poesia portuguesa de José Jorge Letria. Sabe por quê? "Porque ele me faz sentir bem", explicou, do alto de seus 8 anos.

Com todos já devidamente identificados, começou uma correria pelo ambiente. Como se estivessem em uma caça ao tesouro, as crianças seguiam pistas e procuravam por respostas para as questões escritas em fichas que tinham em mãos. Tratava-se de um desafio -- ou melhor, um peddy-paper, como se diz em Portugal -- para descobrir como é organizada e funciona uma biblioteca.

Regras decifradas e normas esclarecidas, hora de vestir o pijama, arrumar os sacos de dormir e ouvir histórias para embalar o sono e, quem sabe, alimentar os sonhos. Caprichando na entonação, a bibliotecária Susana Filipe leu O Incrível Rapaz Que Comia Livros, obra escrita pelo australiano Oliver Jeffers. Quando a leitura terminou, Tomáz, 11 anos, lá no fundo da sala, gritou: "Mais uma, mais uma! Pode contar mais 1,5 bilhão de histórias!" Pedido atendido: com as luzes apagadas, Susana leu A Grande Questão, do alemão Wolf Erlbruch. Um a um, os pequenos adormeceram.

No dia seguinte, assim que acordaram, as meninas correram a se enfeitar com presilhas e tiaras. Os meninos lotaram as mãos com gel para domar os cabelos rebeldes. Tudo muito rápido porque ninguém queria desperdiçar um só minuto da programação de domingo. Depois do desjejum, mais uma história - dessa vez, de autoria da brasileira Ana Maria Machado: O Pavão do Abre-e-Fecha. O enredo alimentou o desejo da turma de se perder entre as estantes da biblioteca à procura de novos títulos. "É importante que as crianças também possam escolher livremente para que a leitura seja significativa", disse a bibliotecária Carla Gomes. Ao seu lado, a funcionária Maria Elizabete Ferreira, que também passou a noite em claro velando o sono da garotada, confessou que para ela a recompensa do projeto está guardada para o futuro. "Esperamos que, depois de crescidos, todos esses estudantes se lembrem dessa noite e saibam que uma biblioteca é um espaço de aprendizagem."

Pelos corredores do prédio, enquanto os pequenos arrumavam as mochilas para voltar para casa, era possível ouvir suas vozes, ecoando "Vitória, vitória, acabou-se a história!", uma frase típica portuguesa que marca o fim dos contos infantis neste lado do oceano.

Artigo de Taynar Costa publicado na Revista Nova Escola, edição 225, setembro de 2009. Foto de Luciana Cristovam.

sábado, 3 de outubro de 2009

Felicidade clandestina

Felicidade clandestina

Clarice Lispector

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-la. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tornava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-la, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Conto publicado em:
Lispector, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro : Rocco, 1998. p. 9-12.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dica de leitura

Arte e ciência de roubar galinhas traz algumas das melhores crônicas de João Ubaldo Ribeiro publicadas na imprensa, em torno da ilha de Itaparica. É assim que ele descortina para o leitor as suas memórias de infância e juventude, o seu dia-a-dia na ilha, os casos e conversas com personagens locais, representantes reais da gente brasileira.
Leitura pra lá de divertida!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Conhecendo Sampa

No último sábado (dia 12), promovemos um passeio turístico monitorado pelo centro velho da cidade de São Paulo, guiados por Vera Lucia. Na ocasião, um grupo da melhor idade do CEU Pq. Veredas teve a oportunidade de visitar alguns pontos turísticos e conhecer um pouco mais da história da cidade. O passeio começou pelo Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, passando pelo Páteo do Colégio e Centro Cultural Banco do Brasil, entre outros lugares.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A descoberta da leitura

Fiquei bem desanimada ao ler uma das colunas do meu colega Marcelo Alencar, completamente conformado por seu filho não gostar de ler: será que é isso mesmo? Que mesmo quem afirme não gostar de ler não pode, um dia, quem sabe, mudar de conduta, principalmente se tiver contato com um texto interessante, bem escrito, que tenha a ver com os interesses da pessoa... Mas um fato na semana passada me fez ter um novo alento.

Meu filho mais velho sempre bradou aos quatro ventos que odeia ler e que aprender Língua Portuguesa não serve para nada. E, para piorar, fica fazendo planos terríveis para eliminar de vez de sua vida a professora da disciplina, envolvendo os colegas em projetos delirantes para atingir seu objetivo. E, claro, com toda essa pré-disposição de não aprender, já pegou três recuperações este ano (na escola em que ele estuda as recuperações são feitas mensalmente, com aulas semanais no contra-turno). Uma delas envolvia a leitura de um livro nas férias.

A professora deu, no último dia de aula, uma lista com dez opções para ele escolher uma. “O problema”, argumentou muito raivoso, “é ela ficar obrigando a gente a ler o que ela quer e não o que a gente quer”. Não dei muita bola para isso, pedi para ele optar por um, fomos à livraria e compramos um exemplar. Ele leu na primeira semana umas 20 páginas de um total de 180.

Porém, no domingo antes da volta às aulas, dia 29 de julho, pego novamente o comunicado sobre a lição de férias e vejo que, no final, tem uma observação: “Será feita uma prova sobre a leitura depois do dia 31 de julho”.

Em que pese eu estar convicta de que prova de leitura é uma coisa muito chata, achei que em alguns casos ela pode ser uma ferramenta boa de convencimento. E ainda fui bem irônica: “Você tem sorte: a prova será somente depois de amanhã. Você tem uma tarde para terminar o livro”. E, por mais sorte ainda, na terça não tinha aula de Língua Portuguesa. Logo, duas tardes. Bolamos uma plano de leitura, em que ele tinha de devorar 80 páginas por dia, eliminando qualquer pausa para televisão, computador e congêneres.

E não é que funcionou! Fiquei até emocionada quando ele me telefonou no meio da tarde de terça e contou entusiasmado: “Mãe, esse livro é super legal! Essa história é o máximo! Ler é muito bom! Vou ler três livros por mês de agora em diante!...” E ele quis me contar todo o enredo naquela hora. Ouvi com atenção, me envolvi com os personagens, e ele foi fazer a tal da prova muito seguro (na verdade, um bate-papo com a professora sobre os personagens, o foco narrativo etc.).

Aproveitei a oportunidade para dar uma forcinha para a professora, que agora não corre mais risco de vida: “Tá vendo como foi importante ela obrigar a ler? Você nunca teria descoberto o prazer da leitura se ela não tivesse te dado essa tarefa!” (Ela fica me devendo essa).

Comentei esse fato com o Marcelo e agora reparto com vocês. Ainda há esperança: um jovem que afirma não gostar de ler pode, um dia, despertar para esse prazer!

Mas falhei em um ponto: deveria ter feito com que meu filho escrevesse em um papel a promessa de ler três livros por mês e assinasse embaixo...

Artigo de Paola Gentili publicado na revista Nova Escola em 07/08/2007.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Waldeck de Garanhuns

No dia 26 de agosto, recebemos a visita do escritor Waldeck de Garanhuns que apresentou para as crianças da EMEF Maria Clara Machado alguns de seus trabalhos baseados na cultura popular do Brasil.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Estado terá biblioteca central no Carandiru

Matéria publicada em O Estado de S. Paulo de 01/09/2009

Com jeito de livraria, espaço vai permitir a leitores acesso fácil aos livros; 961 unidades municipais poderão estar interligadas à sede paulista

Edison Veiga e Vitor Hugo Brandalise

Um sonho da década de 1940 está prestes a ser realizado. Se tudo correr como previsto, os paulistas terão, a partir de 25 de janeiro do próximo ano, uma biblioteca central para as 961 bibliotecas públicas (municipais) espalhadas pelo Estado - dos 645 municípios paulistas, apenas 43 não têm biblioteca. A Biblioteca de São Paulo, como será chamada, vai funcionar em um pavilhão de 4,2 mil m² no Parque da Juventude - onde ficava a Casa de Detenção do Carandiru. "A ideia é que o espaço fique aberto de manhã, à tarde e à noite, também nos fins de semana", adianta a gestora do projeto, Adriana Ferrari, assessora de gabinete da Secretaria de Estado da Cultura.

A nova biblioteca - com projeto inspirado na Biblioteca Pública de Santiago do Chile - será utilizada como modelo para outras unidades. "O livro estará ao lado de todos os outros suportes, como CDs e DVDs, jornais e revistas. Será um espaço dinâmico, onde os livros não mofam nas estantes", diz o secretário de Estado da Cultura, João Sayad. "Queremos que fique parecido com grandes livrarias, que hoje recebem muito mais leitores do que bibliotecas."


Para se assemelhar às livrarias privadas, o projeto prevê estantes baixas, com livros ao alcance das mãos. Os bibliotecários serão instruídos a "atuar como vendedores", oferecendo dicas de livros para visitantes. No acervo de cerca de 30 mil livros, a promessa é que não haja espaço para preconceito - poderão ser encontrados livros e revistas com acesso proibido para menores de 18 anos. "Vai ter Machado de Assis, mas defendo que tenha Playboy também", afirma Sayad.


Projetada para ser totalmente acessível, a biblioteca terá um equipamento inovador: um "scanner" que transformará livros normais para a linguagem braile e em audiobooks. "Abrirá um leque enorme de leitura para pessoas cegas", diz o secretário. Equipamentos para autoempréstimo também estarão disponíveis. No que diz respeito ao mobiliário, com diversos tipos de cadeiras, bancos e mesas, nada será comprado pronto - todas as peças serão criadas por designers contratados.


Para a criação da biblioteca, serão investidos R$ 12,5 milhões - R$ 10 milhões do Estado e R$ 2,5 milhões do Ministério da Cultura. Ainda haverá verba de R$ 1 milhão para compor o acervo. "Devemos ter um valor semelhante, todos os anos, para atualizá-lo", diz Adriana. Uma vez pronta e aberta, a biblioteca será administrada pela Poiesis, organização social à frente também da Casa das Rosas e do Museu da Língua Portuguesa. "Vamos fazer dela uma biblioteca que não tenha medo do prazer, que incentive a leitura", explica o poeta e crítico literário Frederico Barbosa, diretor da Poiesis. "Nada daquela imagem de um lugar escuro com uma velha chata fazendo ?psiu?".


Não é a primeira vez que Barbosa tem a missão de conduzir uma biblioteca. De 2006 a 2008 ele foi curador, a convite da Prefeitura de São Paulo, da Biblioteca Alceu de Amoroso Lima, em Pinheiros - comandou a transformação dela na primeira biblioteca temática da cidade, dedicada à poesia. Talvez por isso esteja bastante otimista com o novo projeto. "Esperamos fazer uma biblioteca viva, pulsante", afirma, enfatizando a importância de que nela seja realizada uma intensa programação cultural, com debates, leituras e shows. "Será um centro de comemoração da vida e da literatura."


Os planos não param por aí. Instalada a biblioteca central, a meta será integrar toda a rede de bibliotecas públicas paulistas. "O primeiro passo será a criação de um sistema único de busca", conta Barbosa. "Só depois vem o nosso grande sonho: universalizar o acesso. Queremos que qualquer cidadão paulista, por sistema de intercâmbio, tenha acesso a livro de qualquer biblioteca."

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Palestra de incentivo à leitura

O Goethe-Institut São Paulo e a Biblioteca Monteiro Lobato apresentam o projeto de incentivo à leitura “Bremer Leselust” da cidade de Bremen por Ulrike Hövelmann - um exemplo de como o engajamento de toda a cidade consegue despertar nas crianças uma relação positiva com o livro e a leitura, tornando-os parte inseparável da vida diária de cada um. Dia 16/9, das 14h às 17h, na Biblioteca Monteiro Lobato (Rua General Jardim , 485 – São Paulo – Estação República do metrô). Idioma: Alemão com tradução simultânea. Inscrição gratuita – 80 vagas.
Inscrição:
biblioteca@saopaulo.goethe.org ou tel. (11) 3296-7001, com Ana Teresa ou Bethe.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dica de leitura

Romance de estréia de Isaias Pessoti, recebeu os prêmios Jabuti e o Livro do Ano da Câmera Brasileira do Livro. Em 2005 foi eleito por um júri de críticos literários e jornalistas de todo o Brasil como um dos 15 melhores romances brasileiros dos últimos 15 anos.

Na Milão na final da década de 1960, um grupo de jovens pesquisadores depara-se com uma figura misteriosa que, enterrada pela história oficial, desperta paixões latentes. O "bispo vermelho", autor de um manuscrito inédito do século XV encontrado numa villa do Piemonte, oferece a cada um daqueles que estão à procura de sua identidade a razão autêntica da busca do conhecimento.


Enquanto Emilio, Anna e seus companheiros desvendam os enigmas que se escondem entre os afrescos e a arquitetura da villa, o leitor empenha-se pelos aromas e sabores da culinária, a textura dos vinhos, o relevo das paisagens do norte Itália, numa viagem entre presente e passado. Com leveza, bom humor e riqueza de registros, o autor tece uma narrativa que celebra o prazer da descoberta contra as forças do autoritarismo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Música imperdível!

No sábado (15/08) aconteceu a abertura do Bourbon Street Fest no Parque Ibirapuera. Com apresentações inspiradíssimas da Dixie Square Jazz Band, Glen David Andrews, Marcia Ball e Kurt Brunus Project. Quem esteve lá ouviu jazz, blues e R&B de alta qualidade, de graça e aproveitando um sábado de sol.
O Festival acontece durante toda essa semana no Bourbon Street (www.bourbonstreet.com.br). E no domingo (23/08) o encerramento será ao ar livre (de graça) em frente ao Bourbon (Rua dos Chanés, 127 - Moema). Neste dia, a programação terá:

16h - Sunpie & The Sunspots - Mistura de blues, música caribenha e Zydeco.

17h30 - Big Sam´s Funky Nation - O trombonista Big Sam e seu naipe de metais misturam funk, groove e hip hop com um toque contemporâneo ao estilo das Brass Bands.


19h30 - Kurt Brunus Project - O quarteto do multi-instrumentista Kurt Brunus apresenta um show de puro rythm & blues, com pitadas de rap, hip hop e reggae.

21h - Jam session - canjas de várias atrações do evento.

Quem perdeu a abertura não deve perder o encerramento. Quem aproveitou, com certeza também estará presente.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Dica de leitura

Imagine uma época em que os livros configurem uma ameaça ao sistema, uma sociedade onde eles são absolutamente proibidos. Para exterminá-los, basta chamar os bombeiros - profissionais que outrora se dedicavam à extinção de incêndios, mas que agora são os responsáveis pela manutenção da ordem, queimando publicações e impedindo que o conhecimento se dissemine como praga. Para coroar a alienação em que vive essa nova sociedade, anestesiada por informações triviais, as casas são dotadas de televisores que ocupam paredes inteiras de cômodos, e exibem "famílias" com as quais se podem dialogar, como se estas fossem de fato reais. Este é o cenário em que vive Guy Montag, bombeiro que atravessa séria crise ideológica. Sua esposa passa o dia entretida com seus "parentes televisivos", enquanto ele trabalha arduamente para comprar-lhe a tão sonhada quarta parede de TV. Sua vida vazia é transformada, porém, quando ele conhece a vizinha Clarisse, uma adolescente que reflete sobre o mundo à sua volta e que o instiga a fazer o mesmo. O sumiço misterioso de Clarisse leva Montag a se rebelar contra a política estabelecida, e ele passa a esconder livros em sua própria casa. Denunciado por sua ousadia, é obrigado a mudar de tática e a buscar aliados na luta pela preservação do pensamento e da memória. "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, é não só uma crítica à repressão política mas também à superficialidade da era da imagem, sintomática do século XX e que ainda parece não esmorecer.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Analfabetismos pós-modernos

Artigo escrito por José de Souza Martins publicado em O Estado de S. Paulo de 01/03/2009.

Na ponta do lápis: 75% dos analfabetos no País têm mais de 40 anos - Não chega a ser surpreendente a notícia de que 75% dos analfabetos no Brasil têm mais de 40 anos e o declínio do analfabetismo é mais lento nessa faixa de idade do que nas outras. Há particularidades sociais que ajudam a compreender esse dado lastimável. Os de mais de 40 anos são, no geral, os que têm menos estímulos para superar a situação em que se encontram. No Brasil, as pessoas envelhecem cedo. O marco dos 40 é para muitos o marco de uma idade de angústia e apreensão, do fim das oportunidades estáveis de trabalho. A dificuldade que essas pessoas encontram para mudar de emprego ou mesmo para arrumar um e a facilidade com que ficam sem trabalho é um conhecido fator de marginalização social já na maturidade. Que estímulo pode ter uma pessoa de 40 anos ou mais para se alfabetizar tardiamente se a probabilidade de conseguir um emprego compatível com sua história profissional é muito menor do que a de uma pessoa mais jovem? A discriminação e o preconceito etários no nosso mercado de trabalho são em si mesmos fatores de degradação social que dificilmente podem encontrar um antídoto na alfabetização tardia, que, por ser tardia e ser mera alfabetização, é cada vez mais insuficiente. Ser alfabetizado já não garante nada a ninguém.

A pós-modernidade é uma era de multiplicação das formas de analfabetismo. As estatísticas referem-se aos estritamente alfabetizados, aos que aprenderam a ler e escrever. Mas raramente há referência ao analfabetismo funcional daquela larga parcela da população que, ainda que sabendo ler e escrever, de fato não está alfabetizada porque está aquém do manejo minimamente competente da informação cultural, como a interpretação daquilo que lê. A alfabetização constitui apenas um dado formal. Ela só tem sentido num quadro de solicitações culturais em que saber ler e escrever é mais do que o ato em si. Na zona rural, encontrei, não poucas vezes, pessoas desalfabetizadas, aquelas que frequentaram e completaram o antigo curso primário rural de três anos e, passado algum tempo, desaprenderam a ler e escrever. Porque o desuso da alfabetização torna-a inútil. De outro modo, isso acontece também na cidade. Não é raro que a escola esteja completamente desvinculada das atividades culturais que lhe dão sentido, como a leitura, a freqüência a bibliotecas, museus e teatros. Hoje vivemos num cenário em que não é incomum a combinação de alfabetização e ignorância, a capacidade de ler e escrever reduzida ao uso elementar dos simplismos do cotidiano, aos quais a própria escola se submete, renunciando à missão de estimular os estudantes a níveis mais altos e mais complexos de conhecimento, superadores e críticos do cotidiano e do repetitivo.

O universo cultural do analfabetismo tem sido ampliado no último meio século, anulando com facilidade os ganhos da alfabetização tradicional da escrita manual e da leitura do texto impresso. O advento do microcomputador pessoal criou, em curto tempo, uma massa de analfabetos até mesmo entre pessoas com nível superior e até mesmo entre professores universitários. A linguagem computacional invadiu nossa vida como indecifrável língua estrangeira e nos colocou da noite para o dia à mercê de técnicos que se esmeram em falar o computacionês incompreensível. A máquina de calcular livrou-nos dos sofrimentos da tabuada, mas criou uma geração de ignorantes que faz cálculos sofisticados sem saber como são feitos. Saber escrever corretamente a língua portuguesa já não é necessário, pois programas instalados no computador corrigem automaticamente a maioria dos erros e permitem a qualquer semialfabetizado escrever quase com o rigor de Machado de Assis.

Enquanto nos países desenvolvidos os museus estão cheios de crianças e adolescentes levados pelas próprias escolas, aqui estamos muito longe disso, do mesmo modo que estamos muito longe do ensino em tempo integral, necessário para cobrir a extensa área de cultura que deve ser assimilada antes da idade adulta para que a pessoa se mova num patamar próprio das demandas culturais crescentes do mundo moderno. Nesse sentido, a insuficiência da nossa escolarização é um instrumento de alargamento do número dos que podem ser classificados na moderna e ampla concepção de analfabetismo, não limitada estritamente ao saber ler e escrever.

Mudanças técnicas na indústria tornaram o que era conhecimento profissional para uma vida um mero conhecimento para uns poucos anos, aquelas tarefas suprimidas e substituídas por outras, que pedem nova e diferente escolarização. A simplificação do processo de trabalho, por outro lado, criou tarefas que podem ser desempenhadas por pessoas com menor qualificação profissional e escolarização menor. Não é casual que se registre entre nós mais desemprego entre trabalhadores mais qualificados do que entre os menos qualificados ou sem qualificação. Portanto, a escolarização está sendo continuamente questionada pelo mercado de trabalho, o que torna a mística da alfabetização uma aspiração obsoleta.

O cenário de desestímulo à alfabetização é agravado por uma cultura nacional historicamente marcada pela valorização do analfabetismo. Sociedade que teve escravidão, precisava, até há pouco mais de cem anos, apenas do trabalho braçal do cativo. Foram raros os senhores de escravos que alfabetizaram e educaram seus escravos, conscientes aliás de que alfabetização é incompatível com escravidão. Na imigração que substituiu a escravidão, os recrutadores aliciavam de preferência analfabetos, forma de evitar o protesto social, o analfabetismo como um fator de sujeição do trabalhador do eito. A cultura moderna e a cultura tradicional se encontram na mentalidade para a qual ser alfabetizado não é necessariamente um desafio e uma carência. O êxito econômico e político de milhares de semialfabetizados parece proclamar todos os dias que aprender a ler e escrever é cansativo. Como dizia o Jeca Tatu, de Lobato: não paga a pena.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Dica de leitura

O romance Na praia de Ian McEwan se passa na Inglaterra de 1962. As profundas mudanças na moral e no comportamento sexual que abalariam o mundo ao longo daquela década ainda estão em estado de gestação. Edward Mayhew e Florence Ponting, ambos virgens, se instalam num hotel na praia de Chesil, perto do Canal da Mancha, para celebrar sua noite de núpcias. Ele é um rapaz recém-formado em história, de origem provinciana; sua mãe tem problemas mentais, e o pai é professor secundário. A noiva é uma violinista promissora, líder de seu próprio quarteto de cordas, filha de um industrial e de uma professora universitária de Oxford.
O desajeitado encontro íntimo desses dois jovens ainda marcados pelos resquícios da repressiva moral vitoriana é repleto de lances cômicos e comoventes, configurando uma autêntica tragicomédia de erros. Na praia, entretanto, vai além disso. Por conta da refinada arte narrativa de Ian McEwan, o drama dos recém-casados transcende o registro particular e o retrato de época para alcançar a dimensão de uma obra universal sobre o momento da perda da inocência, essa expulsão do paraíso que é um ponto de inflexão na vida de todo indivíduo.

Com sua prosa precisa, tão sutil quanto implacável, McEwan alterna os pontos de vista de Edward e Florence, radiografando seus pensamentos e motivações mais secretos. O sentimento trágico que fica no leitor vem da percepção dos estragos profundos e duradouros que um pequeno gesto, um único mal-entendido, uma palavra infeliz podem causar na vida dos personagens.

Com esse romance compacto, intenso, inteiriço como um poema ou uma peça musical, o autor confirma seu notável talento para captar e expressar os descaminhos da vida interior.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Perigos da literatura

Artigo de Daniel Piza publicado em O Estado de S. Paulo de 01/02/2009.

Não é só nos debates políticos e econômicos que o sessentismo anda em baixa. Leia A Literatura em Perigo (Difel), um pequeno e despretensioso livro de Tzvetan Todorov. Que um dos expoentes do estruturalismo, discípulo de Roland Barthes, se revolte contra as teorias literárias ainda dominantes entre professores e críticos, sobretudo na França, é fato a saudar. Todorov já não suporta a análise da literatura como se ela fosse desconectada da vida, dos temas da condição humana, uma análise que a reduz a jogos de linguagem. Para os defensores da “desconstrução”, nada existe além do texto, logo a literatura só fala de literatura. Esse solipsismo, diz Todorov, ignora o contexto humano – a posição ambivalente da estética, entre beleza e conhecimento – e reforça o declínio da literatura na sociedade, a pouca familiaridade dos jovens de hoje com as “sensações insubstituíveis” da leitura.


“Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas”, escreve ele logo no início, a literatura “permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano.” No final, define melhor a utilidade de uma obra literária, que “produz um tremor de sentidos, abala nosso aparelho de interpretação simbólica, desperta nossa capacidade de associação”. Ou seja, Todorov não está defendendo a importância da imaginação, a noção vulgar de que os livros servem para um escape da realidade ou um consolo à esperança; ele vê a ficção de um Shakespeare, Dostoiévski ou Proust como um instrumento de interpretação da realidade, da natureza humana, não superior ou inferior à ciência, mas autônomo e, talvez, complementar. Somos criados à base de medos e chavões, e nada como a literatura para nos dar armas de libertação. Nesse sentido, é sempre perigosa para o senso comum.

Todorov, porém, cai no dualismo de sua geração ao revelar no ensaio um ponto de vista quase diametralmente oposto ao que defendeu na juventude. (É como aqueles sujeitos marxistas que, diante do fracasso soviético, passaram a defender o capitalismo selvagem – às vezes chamado de “natural” – como se o mercado não tivesse de ser fiscalizado e canalizado.) Comete o erro de culpar o modernismo de Flaubert em diante, principalmente as vanguardas do início do século 20, por essa visão formal da literatura. Lembra o debate do autor de A Educação Sentimental com George Sand e dá a ela razão por se queixar do pessimismo do amigo. Bem, a maioria dos grandes escritores não assinou finais felizes por um motivo claro: eles estavam (e estão) reagindo justamente à tendência convencional de se iludir facilmente, de acreditar em qualquer crença ou doutrina que resolva sistematicamente os problemas do mundo. Agora me diga quem é mais lido hoje em dia: Flaubert ou George Sand?

***

É bobagem dizer que “ler demais faz mal”, como ouço às vezes. O problema não é a quantidade de leitura, mas o modo como ela é feita; se ela passa a tomar o lugar da vida, a substituir experiências reais em vez de iluminá-las, aí, sim, se pode falar na existência de um problema. Muitos intelectuais o encarnam, exemplos que são de falta de praticidade, atratividade e sensatez... Todorov se queixa de frases de literatos como “a verdadeira vida é a literatura” e “tudo existe para terminar num livro”, respectivamente aludindo a Borges e Mallarmé – frases que parecem negar os poderes de representação das artes. Estou com ele, como quando diz que os críticos de arte exaltam Malevitch e depreciam Bonnard apenas porque este é figurativo; mas aquelas frases também precisam ser vistas em seu contexto. Nem Borges nem Mallarmé fizeram “arte pela arte”, e Borges notou sempre como são pobres e mutiladas as palavras deixadas pelos séculos. A literatura deve renovar a linguagem corrente.

Ninguém como os escritores, afinal, nos alertam para os perigos da literatura. Quase todos os grandes personagens são leitores: Dom Quixote passa a delirar com a ideia do triunfo depois de ler romances de cavalaria, mas a realidade que encontra é tão diferente que ele só apanha, ainda que Sancho Pança lhe faça o contraponto; Hamlet lê o tempo todo, “palavras, palavras, palavras”, enquanto matuta um plano de ação que desmascare o poder; os terroristas de Dostoiévski e Conrad são leitores vorazes; Madame Bovary só encontra nos romances a ausência do tédio que lhe consome dias e noites; Dom Casmurro também absorveu sua dose de clássicos; Gustav Aschenbach vai a Veneza já afetado pelo vírus do idealismo que os livros inocularam; Artur Sammler sonha ser como um esteta inglês tão refinado que os males da metrópole não o atinjam. E autores como Elias Canetti (Auto-de-Fé) e Italo Svevo (A Consciência de Zeno) trataram diretamente do tema. Desconfiar das fantasias e teorias que os livros trazem é fundamental; para isso, é preciso ler muito.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Dicas culturais

Apresentamos algumas sugestões da programação cultural gratuita que a cidade de São Paulo oferece. Aproveite!


Teatro


Os reis preguiçosos
Direção: Gilles Rhode. Com: Transe Express. Duração: 90 min.
O espetáculo, que faz parte das comemorações do Ano da França no Brasil, será apresentado nos jardins do Parque da Independência pela companhia francesa de teatro de rua Transe Express. Mescla circo, dança e convida o público a acompanhar o cortejo de carros alegóricos por 3 diferentes caminhos.
Quando: Sábado (18/07) e domingo (19/07) às 18h30.
Onde: Parque da Independência - Av. Nazaré s/nº - Ipiranga. Tel.: 3340-2000.

O conto do reino distante
Texto: Simoni Boer. Concepção: Ana Luísa Lacombe. Direção: Paulo Rogério Lopes. Com: Ana Luísa Lacombe e Camila Bellodi. Duração: 50 min. Não recomendado para menores de 5 anos.
O Reino Distante aguarda o nascimento de um herdeiro, mas o bebê é trancafiado numa torre e só tem as formigas como companhia.
Quando: Domingo às 15h30. Até 29/07. Retirar ingresso com 1 hora de antecedência.
Onde: SESC Santana - Teatro - Av. Luiz Dumont Villares, 579 - Santana. Tel.: 2971-8700.

No papel da vítima
Texto: Irmãos Presnyakov. Direção: Ariela Goldmann. Com: Turma 50 da Escola de Arte Dramática da ECA/USP. Duração: 90 min. Não recomendado para menores de 14 anos.
Esta comédia dos dramaturgos russos acompanha as experiências de um rapaz que ganha a vida fazendo o papel de vítima em reconstituições de crimes.
Quando: Quarta-feira a sábado às 21h; Domingo às 20h. Até 02/08. Retirar ingresso com 1 hora de antecedência.
Onde: Teatro Laboratório ECA - Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215 - Cidade Universitária. Tel.: 3091-4376.



Shows


Conjunto Retratos

Dedicado ao chorinho e à música regional, o grupo é a atração de julho do programa Banca do Choro, realizado dentro do Mercado Municipal.
Quando: 19/07 (domingo) às 11h30. 120 min.
Onde: Mercado Municipal - área de alimentação - piso térreo - R. da Cantareira, 306 - Centro. Tel.: 3313-2444.



Dança


Panorama Sesi de Dança 2009
O destaque do festival neste final de semana é Bruno Beltrão e Grupo de Rua, que apresentam H3.
Quando: Sábado (18/07) às 20h e domingo (19/07) às 19h. 60 min. Não recomendado para menores de 14 anos. Retirar ingresso no dia da apresentação a partir das 12h.
Onde: Centro Cultural Fiesp - Teatro Sesi São Paulo - Av. Paulista, 1313 - Bela Vista. Tel.: 3146-7405.

Jam de Dança
Neste mês, participam do projeto a pesquisadora em dança e cultura popular Andrea Soares e os músicos Mateus Prado e Cristiano Meireles, que convidam a um diálogo corporal com as danças populares.
Quando: Terça-feira às 12h. Até 28/07. 90 min.
Onde: Centro Cultural São Paulo - Espaço Flávio Império - R. Vergueiro, 1000 - Liberdade. Tel.: 3397-4002.



Concertos



Novo Ovo Novo

O grupo apresenta músicas medievais e renascentistas, especialmente da Península Ibérica, e interpreta, tambpem, algumas peças coloniais da América do Sul.
Quando: Domingo às 13h30. 75 min.
Onde: SESC Vila Mariana - Praça de eventos - Rua Pelotas, 141 - Vila Mariana. Tel
.: 5080-3000.

Música em cena
Sob a regência de João Carlos Martins, a Orquestra Bachiana Jovem participa do projeto Música em cena. O programa terá peças de Mascagni, Beethoven, Mozart, Morricone e Piazzolla.
Quando: Domingo às 12h. 60 min. Até dezembro. Retirar ingresso na data de apresentação.
Onde: Centro Cultural FIESP - Teatro SESI São Paulo - Av. Paulista, 1313 - Bela Vista. Tel
.: 3146-7405.



Exposições


Ícone e memória
A exposição revê os 96 anos de história do Teatro Municipal por meio de painéis explicativos, fotos de artistas, maquetes de cenários e adereços.
Quando: Terça-feira a domingo das 10h às 16h30.
Onde: Museu do Teatro Municipal - Pça. Ramos de Azevedo, baixos do Viaduto do Chá - República. Tel.: 3241-3815.

Cuide de você - Sophie Calle

A francesa convidou 107 mulheres de diferentes profissões para interpretarem o e-mail que recebeu do ex-namorado, no qual ele pôs fim ao relacionamento. O processo resultou em uma mostra híbrida, com desenhos, registros de perfomances, textos e vídeos.
Quando: Terça-feira a sábado das 10h às 21h; domingo das 10h às 20h. Até 7/09.
Onde: SESC Pompéia - R. Clélia, 93 - Água Branca. Tel.: 3871-7700.

Amilcar de Castro e Willys de Castro
Com a curadoria de Lorenzo Mammi, estão expostos 340 objetos, entre estudos de logotipos, revistas, maquetes e vestidos, além de pinturas e esculturas produzidos pelos dois artistas.
Quando: Terça-feira a sábado das 10h às 18h; Domingo das 12h às 17h. Até 02/08.
Onde: Instituto de Arte Contemporânea (IAC) - R. Maria Antônia, 258 - Vila Buarque. Tel.: 3255-2009.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Dica de leitura


Em Ela é carioca, o jornalista Ruy Castro traça, por meio de 231 verbetes, um fascinante e curioso retrato de Ipanema, o irriquieto bairro carioca que ficou mundialmente famoso por ter sido o berço de gerações inteiras de artistas, intelectuais e libertários como Tom Jobim, Arnaldo Jabor e Leila Diniz.