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segunda-feira, 8 de agosto de 2011
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Recreio nas Férias
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Kelly Orassi na Biblioteca
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Educar, um ato de amor
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Municípios sem biblioteca não receberão recursos do MinC
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, assinou, nesta quinta (02/12), no Ministério da Cultura (MinC), uma portaria que suspende o repasse de recursos para a prefeitura que não tiver pelo menos uma biblioteca pública municipal (BPM) em funcionamento. Desde abril, o MinC investiu R$ 21 milhões no envio de 2 mil livros, mobiliário, TV, DVD e computador para todas as 420 prefeituras que, segundo o Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais, realizado pela Fundação Getúlio Vargas, não possuíam biblioteca. Dessas, 403 prefeituras já receberam o kit. Até o final deste ano, o ministério ainda enviará os equipamentos para os 17 municípios restantes. O desafio de assegurar bibliotecas em todos os municípios do país havia sido lançado há quase duas décadas, pelo escritor Affonso Romano de Sant’Anna, então presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN).
“É importante ressaltar que esta portaria não tem caráter punitivo. Ela premia quem está no caminho correto e reforça o compromisso já existente entre o governo federal e os municípios”, afirma o ministro Juca Ferreira. “O acesso a bibliotecas é essencial para garantir o desenvolvimento do Brasil”, completa.
O envio do material necessário para a implantação das BPMs, pelo MinC, tem como contrapartida do município a responsabilidade de manter o espaço físico adequado e garantir os recursos para o seu funcionamento. Entretanto, há casos de municípios que, mesmo tendo recebido todo o material para implantar a BPM, não cumprem as contrapartidas e sequer inauguram sua biblioteca. Em outros casos, a inauguração é realizada, mas a biblioteca é fechada ou extinta, tempos depois. De acordo com o Censo Nacional, dos 420 municípios sem biblioteca, apenas 11 nunca tiveram o equipamento. O restante fechou ou extinguiu a sua biblioteca.
Através do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), o MinC detectou que alguns dos equipamentos estaduais estão defasados, por isso a exigência também se estenderá aos 27 estados e Distrito Federal para que mantenham as bibliotecas públicas estaduais abertas e em funcionamento. Em geral, essas bibliotecas são a referência e sede de todo o sistema estadual.
“O MinC dá o apoio para abrir e para equipar, mas é preciso ter a contrapartida. Estamos criando a consciência da importância de se ter uma biblioteca aberta nos estados e municípios”, explica o ministro Juca Ferreira. Para ele, é fundamental instituir uma política pública que garanta o acesso à cultura. “A biblioteca é um ambiente democrático para ampliar o acesso aos livros e formar novos leitores”, avalia Juca. O ministro acrescenta que há ainda outros dois ambientes de formação: a família e a escola.
A portaria que institui o funcionamento da biblioteca pública como pré-requisito para que a prefeitura ou estado receba recursos do Ministério da Cultura é o primeiro dispositivo desse tipo a ser aplicado a todos os requerentes.
Fonte: Rede Notícias
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Dia do Saci
29 de Outubro - Dia Nacional do Livro
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Recanto Nordestino
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Bibliotecas que twittam
“As pessoas têm uma imagem antiquada de bibiliotecas, de um lugar que não tem nada além de livros e microfichas”, diz Hiller Goodspeed, designer de 22 anos que mora em Orlando, na Flórida, e usa o aplicativo da biblioteca de Orange County para descobrir filmes estrangeiros. Dados do Instituto de Serviços de Museus e Bibliotecas dos EUA mostram que as visitas e a circulação em bibliotecas cresceu 20% entre 1998 e 2008.
De lá para cá, segundo especialistas, a tecnologia continuou a estimular o aumento da frequencia, da circulação e do uso desses espaços. “A tecnologia também está trazendo de volta à biblioteca pessoas que em algum momento deixaram de achar que esse lugar era relevante para elas”, diz Chris Tonjes, diretor de tecnologia da informação da biblioteca pública de Washington.
Bibliotecas públicas têm fornecido acesso gratuito à internet e emprestado filmes e músicas já há anos. Nos EUA, elas têm adotado rapidamente as novas mídias desde o surgimento do VHS e do vinil. Agora, a esfera digital está se expandindo: 82% das mais de 16 mil bibliotecas públicas norte-americanas têm Wi-Fi – quatro anos atrás, apenas 37% ofereciam acesso gratuito à internet sem fio, segundo a Associação Americana de Bibliotecas.
Desde a crise econômica, que afetou o país no fim de 2007, as pessoas passaram a procurar cada vez mais as bibliotecas para acessar a internet e testar novos equipamentos digitais.
Em Princeton, New Jersey, 44 pessoas estão na fila para emprestar Kindles. Roya Karimian, 32, lê as primeiras páginas de um livro no leitor da Amazon, depois de dois meses de espera. “Eu já li esse livro, mas queria saber como é a experiência de uso do Kindle”, afirma.
Aplicativo. Um crescente número de bibliotecas está criando aplicativos ou versões de seus sites para smartphones, diz Jason Griffey, autor do livro Mobile Technology and Libraries (Tecnologia Móvel e Bibliotecas). Ninguém aponta o número exato, mas uma pesquisa entre os aplicativos da App Store da Apple mostra opções de mais de uma dúzia de instituições do tipo.
A biblioteca pública de Grandview Heights, em Columbus, Ohio, gastou US$ 4.500 (um terço do que já investiu comprando CDs) para permitir que seus usuários baixem todo seu acervo de músicas por meio de um serviço chamado Freegal.
Redes sociais para leitores também estão pipocando. Jennifer Reeder, 35 anos, monitora seu ritmo de leitura por meio do Goodreads.com: neste ano, até agora, foram 12.431 páginas, a maior parte delas de livros emprestados em bibliotecas. “Quando eu era criança, as bibliotecas eram apenas um lugar para ir fazer a lição de casa”, diz. Agora, ela empresta audiolivros direto no iPod de seus filhos e alimenta sua lista de músicas no iTunes fazendo downloads gratuitos em sites de bibliotecas.
Estrutura. Até a sobriedade arquitetônica dos prédios tijolinhos está mudando. Frequentados por jovens plugados a fones de ouvido, as áreas de estudo ganham ares de café, enquanto os frequentadores em busca de silêncio acabam relegados a alguns poucos cantos menos movimentados. As estações de empréstimo lembram caixas de supermercado, com livros e DVDs sendo passados pelos leitores de códigos de barra no lugar das compras da família. As bibliotecas estão desenhando novas alas que focam o uso híbrido de tecnologias, dedicando cada vez mais espaço a laboratórios de computação e salas de reunião.
A biblioteca central de Seattle tem cerca de 400 computadores públicos, alguns deles instalados em plena cafeteria. No prédio antigo, eram apenas 75 computadores disponíveis. O novo prédio foi inaugurado em 2008 e está mais próximo do museu Guggenheim Bilbao, de Frank Gehry, do que dos imponentes prédios de tijolos que costumam ser associado a bibliotecas.
“A função tradicional da biblioteca, de ser um lugar a que as pessoas vão em busca de informação e aprendizado ou para se perder entre livros, continua”, afirma Tonjes, da biblioteca pública de Washington. “Só que agora isso não está mais limitado ao espaço físico da instituição”.
/JEANNIE NUSS (ASSOCIATED PRESS)
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/link/bibliotecas-que-twittam/
sábado, 18 de setembro de 2010
Exposição Itinerante

Xilo, cordel e repente
Na Biblioteca Paulo Leminski do CEU Pq. Veredas de 08 a 30 de setembro
Xilogravura é a técnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro suporte adequado. É um processo muito parecido com um carimbo.
Literatura de cordel é um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel, expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome originado em Portugal, que tinha a tradição de pendurar folhetos em barbantes. No Nordeste do Brasil, o nome foi herdado (embora o povo chame esta manifestação de folheto), mas a tradição do barbante não perpetuou. Ou seja, o folheto brasileiro poderia ou não estar exposto em barbantes. São escritos em forma rimada e alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, como também fazem leituras ou declamações muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores.
Repente (conhecido também como desafio) é uma tradição folclórica brasileira cuja origem remonta aos trovadores medievais. Especialmente forte no nordeste brasileiro, é uma mescla entre poesia e música na qual predomina o improviso – a criação de versos "de repente".
O repente possui diversos modelos de métrica e rima, e seu canto costuma ser acompanhado de instrumentos musicais
Quando o instrumento usado é o pandeiro, o repente é chamado de coco de embolada; acompanhado do violão, denomina-se Cantoria.
Ficha Técnica:
Produção, curadoria e textos - Césas Obeid
Assitente de produção - Eduardo Ver
Xilos - Eduardo Ver, Jerônimo Soares, Nino Soares e Valdeck de Garanhuns
Costureiras - Flora Santos e Kelita Souza
Agradecimentos - Atelier Piratininga e Espaço Coringa
Realização - Coordenadoria do Sistema Minicipal de Bilbiotecas da Prefeitura de São Paulo
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Santil, analfabeto, empresta nome à primeira biblioteca de Capão Seco

Marcelo Abreu
Ele estava por demais ansioso. O sono foi interrompido na madrugada. E olha que nunca teve insônia. Tomou calmante, coisa que nunca fez a vida inteirinha. Era preciso acalmar a emoção. Segurar o coração, mesmo sendo uma rocha. E chegou a hora. Lá estava ele, de paletó preto, sapatos também da mesma cor, recém-engraxados, e chapéu panamá. Parecia um lorde. Na verdade, ele é um lorde. No meio daquela gente importante e letrada, ele seria o mais importante. As homenagens eram pra ele, o homem que lutou, há quase meio século, contra a ditadura e levou o saber àquele fim de mundo.
Durante a inauguração da biblioteca que ganhou seu nome, Santil, de 87 anos, comemora o feito de ter levado as letras a toda a comunidade: libertação - (Cadu Gomes/CB/D.A Press )
Durante a inauguração da biblioteca que ganhou seu nome, Santil, de 87 anos, comemora o feito de ter levado as letras a toda a comunidade: libertação.
Na manhã de ontem, o homem que nunca leu, nunca escreveu uma frase — nem o próprio nome — virou nome de biblioteca, a única daquele lugar tão improvável. Em pé, diante dos nove filhos, dos netos, dos professores, “de uma gente estudada e sabida”, ele disse, como agradecimento: “Eu não sei ler, mas o coração sabe sentir. Deus vai proteger todos vocês. Que ninguém mais passe pela vida sem conhecer as letras”. Arrancou aplausos e lágrimas da platéia.
Que história é essa, afinal? Que homem é esse? Onde fica esse lugar improvável? Estamos no Capão Seco, a 70km de Brasília, zona rural do Paranoá. Lá, a vida é tão calma que parece ter parado. Ainda se ouvem os pássaros cantarem. Há apenas uma escola, um posto de saúde e um centro comunitário. A violência ali ainda não se hospedou. Os moradores se conhecem e não há grades nas portas das casas.
Foi próximo àquela região, em Saco Grande, povoado da então minúscula Formosa (GO), que no começo do século 20 nasceu um menino comprido de nome Santil Alves Ribeiro. Filho de agricultores pobres, seus pais mudavam sempre de lugar. Santil já nasceu pelejando. A fome os enxotava de tempos em tempos.
Com os netos: lição maior de sabedoria é legado precioso do avô - (Cadu Gomes/CB/D.A Press)
Com os netos: lição maior de sabedoria é legado precioso do avô
Aos 15 anos, o pai de Santil morreu. Filho mais velho, ele precisou assumir a mãe viúva e os irmãos. Esqueceu-se dele. Em vez de estudar, foi plantar, colher e criar porcos. Os irmãos ainda foram à escola. Aprenderam um bocadinho das letras. Casaram-se. Santil ficou moço velho. Ao completar 30 anos, a mãe lhe disse: “Você precisa se casar. Tem que ter uma família. Vou morrer e não quero deixar você sozinho”.
Obediente, Santil se casou aos 31 anos com sua Carmelita Guimarães, a Lita. “Era dia 6 de agosto de 1957. Já era moço velho”, conta. Ainda em Saco Grande, nasceu parte dos nove filhos. A família se mudou, em busca de terras melhores. Começavam os anos 1960. Santil, finalmente, chegou à região do Capão Seco.
A família se completou: Maria, Antônio, Santino, Pedro, Flávia, Dulita, Marcos, José e Ivonice. Nove filhos. Nove vidas pra cuidar. E foi ali que o homem que nunca escreveu o nome começou a rabiscar a sua melhor e mais emocionante história. Onde seus filhos e as outras crianças da região iriam estudar?
“Fé em mim”
Ditadura militar. Brasília estava sitiada pelas tropas. O Exército tomou conta da região do Capão Seco. Fez dali sua base estratégica. O comandante chamou Santil à sua casa, a única de alvenaria que havia. Queria saber quem era aquela gente que ali morava. Montado no seu burro, o destemido homem da roça foi ao encontro do homem de verde.
Até a Banda dos Fuzileiros Navais marcou presença no dia especial - (Cadu Gomes/CB/D.A Press)
Até a Banda dos Fuzileiros Navais marcou presença no dia especial
Santil lhe fez um pedido. Queria que chegasse uma escola à região. O comandante ficou de pensar. Mas não teve tempo. Adoeceu e teve que deixar o posto. No lugar dele, veio um sargento. “Moço, ele era brabo, mas eu tive coragem e pedi a escola de novo”, lembra. “Eu disse que gostava de homem que falava na hora, gente que fala atrás da moita não serve. O homem tomou fé em mim.”
Quinze dias depois, a escola chegou àquele lugar improvável. Onde? À casa do sargento. A professora? A mulher do militar, moça fina criada no Rio de Janeiro. Vieram as crianças do Capão Seco. O quartinho ficou pequeno. O que fazer? Procurar outro lugar. Acharam, a 3km dali, num barraco de tábua. A moça fina do Rio de Janeiro? “A mulher pelejou demais, mas deu conta de montar num burrinho, pra chegar até a escola”, conta Santil. Às vezes, era um dos filhos dele, Antônio, então com 7 anos, que buscava a professora. Um a um dos nove filhos dele estudou na escola que nasceu de um sonho.
O sargento e a professora, tempos depois, foram embora. Em 1969, a então Fundação Educacional do DF assumiu aquele lugar onde crianças aprendiam a ler e a escrever. E sonhavam que estavam longe dali. Virou, há 41 anos, Escola Classe Capão Seco. Hoje, naquele lugar não mais de tábua, estudam os filhos dos filhos do bravo Santil.
Comoção
No fim da manhã de ontem, o povoado parou. Havia uma inauguração no cento comunitário da região. Os alunos da escola, pais, professores e diretores de outras unidades rurais e até a Banda dos Fuzileiros Navais, que tocou o Hino Nacional, foram convidados. Ali, naquele lugar, nasceu a primeira biblioteca da região.
Por meio do Projeto Bibliotecas Casa do Saber, da Rede Gasol, que inaugurou ontem no DF a 87ª biblioteca, a coordenadora Carmen Gramacho, 65 anos, abriu a cerimônia. Emocionada, ela teve que conter as lágrimas. “Aqui será um espaço vivo da leitura, que é um caminho sem volta.” Sentado em meio às autoridades, Santil ouvia os discursos.
Presidente da Associação dos Bibliotecários do DF, Isa Antunes, 70 anos, que também é a responsável técnica pelas obras do projeto Casa Saber, lembrou: “Dados recentes do IBGE apontam 14 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever no Brasil. Vamos diminuir esses números”.
Visivelmente emocionada, Consuelo Ferreira, 40 anos, diretora da Escola Classe Capão Seco, leu a história do guerreiro Santil, publicada no Correio, em 2 de maio deste ano. “Eu não queria que meus filhos usassem o dedão como eu”, ele dizia. Antônio Matias, 68, da Rede Gasol, lembrou que o projeto, que já inaugurou bibliotecas nos quatro contos do DF — de escolas a presídios, e até fora daqui —, só é possível graças à doação de livros da população de Brasília, nos postos da rede.
Santil ouviu tudo. Estavam ali os nove filhos, alguns moram bem longe, mas não deixaram de ir. Os netos. Os alunos da escola. As mães e os pais daquelas crianças. “Precisava acontecer alguma coisa boa nesse lugar”, diz Francisca Nazarinho, 47 anos, mãe de um aluno. “A comida nem foi pras panelas, mas eu não podia deixar de vir aqui. Essa biblioteca vai trazer sonhos pras nossas crianças”, emenda Neuraneide Novais, 37, mãe de duas alunas da Escola Classe. “Agora a gente pode pesquisar e fazer os trabalhos”, comemora Sandy Alves, 10.
Os filhos de Santil seguraram o choro. Santilo Ribeiro, 49 anos, comentou: “É uma homenagem em vida ao meu pai”. Antônio Ribeiro, 52, o então menino que trazia a professora carioca no burro, engasgou a voz: “É só emoção...”.
Passava do meio-dia e meia. A placa da biblioteca foi descerrada. E lá estava, em letras garrafais, o nome do homem que nunca pôde se sentar num banco de escola. Elegante, como só os verdadeiros lordes sabem sê-lo. A ele, todas as homenagens. Todas as condecorações. Do jeitinho simples, com suas palavras, ele disse a um comandante que o estudo salvaria a vida daquela gente. O homem de pompa e farda ouviu o homem humilde da roça. Começava, naquele dia, a ser escrita toda essa história.
A inteligência de Santil nunca se sentou num banco de escola. Nem foi preciso. E ainda assim ele virou um sábio.
Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/09/10/cidades,i=212310/SANTIL+ANALFABETO+EMPRESTA+NOME+A+PRIMEIRA+BIBLIOTECA+DE+CAPAO+SECO.shtml
Publicação: 10/09/2010 07:51 Atualização: 10/09/2010 07:51
domingo, 18 de julho de 2010
9 de Julho de 1932 - Revolução Constitucionalista


Obelisco
Um obelisco (do latim obeliscus do grego ὀβελίσκος, diminutivo de ὀβελός "espeto") é um monumento comemorativo, típico do Antigo Egipto, constituído de um pilar de pedra em forma quadrangular alongada e sutil, que se afunila ligeiramente em direção a sua parte mais alta, normalmente decorado com inscrições hieroglíficas gravadas nos quatro lados, terminado com uma ponta piramidal. Os mais antigos obeliscos eram feitos a partir de apenas uma peça de pedra (monólitos).
Obelisco do Ibirapuera
O Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32, também conhecido como Obelisco do Ibirapuera ou Obelisco de São Paulo, é um monumento funerário brasileiro localizado no Parque do Ibirapuera, São Paulo.
Símbolo da Revolução Constitucionalista de 1932, o obelisco é o maior monumento da cidade e tem 72 metros de altura. A construção do monumento foi iniciada em 1947 e concluída em 1970. Tombado pelos conselhos estadual e municipal de preservação de patrimônio histórico, o mausoléu do Obelisco guarda os corpos dos estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo (o M.M.D.C.) - mortos durante a Revolução de 1932 -, e de outros 713 ex-combatentes.
Para homenageá-los e preservar a memória da rebelião, há cenas bíblicas e passagens da história paulista feitas com pastilhas de mosaico veneziano.
O Obelisco é um projeto do escultor ítalo-brasileiro Galileo Ugo Emendabili, que chegou ao Brasil em 1923, quando tinha 34 anos de idade, pois estava fugindo de um regime fascista em seu país. O obelisco, feito em puro mármore travertino, foi inaugurado em 9 de julho de 1955, um ano após a inauguração do Parque do Ibirapuera. A Revolução Constitucionalista, Revolução de 1932 e Guerra Paulista foram os nomes dados ao movimento armado ocorrido no Brasil entre julho e outubro de 1932.
O obelisco tem inscrições acompanhadas de ícones em suas quatro faces. Iniciando pela face norte, seguindo pela face oeste, sul, e finalmente leste. O poema escrito é texto de Guilherme de Almeida, feito como homenagem aos revolucionários de 1932. Abaixo segue o texto:
"Aos épicos de julho de 32, que,
fiéis cumpridores da sagrada promessa
feita a seus maiores - os que
moveram as terras e as gentes por
sua força e fé - na lei puseram sua
força e em São Paulo sua Fé."
sexta-feira, 16 de julho de 2010
A. P. Quartim de Moraes
O desenvolvimento da tecnologia digital e da internet são uma ameaça ao livro? Essa questão seria fascinante se não fosse falsa. O que é, afinal, que estaria com os dias contados? O objeto livro, o livro impresso em papel, na forma que o conhecemos há mais de meio milênio?
Em Não Contem com o Fim do Livro (Record, 2010, tradução de André Telles), dois famosos bibliófilos e colecionadores de obras raras, o semiólogo e escritor italiano Umberto Eco e o roteirista de cinema e escritor francês Jean-Claude Charrière, colocam inteligência, erudição e bom humor a serviço do esclarecimento dessa momentosa questão, mediados pelo jornalista e ensaísta francês Jean-Philippe de Tonnac.
Afirma Eco (página 16): "Das duas uma: ou o livro permanecerá o suporte da leitura, ou existirá alguma coisa similar ao que o livro nunca deixou de ser, mesmo antes da invenção da tipografia. As variações em torno do objeto livro não modificaram sua função, nem sua sintaxe, em mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados. Você não pode fazer uma colher melhor do que uma colher."
Ou seja, apesar de sua imagem idealizada - às vezes, sacralizada - de fonte de lazer, informação, conhecimento, fruição intelectual, o livro, enquanto objeto, é apenas "o suporte da leitura", o meio pelo qual o escritor chega ao leitor. E assim permanecerá até que "alguma coisa similar" o substitua. Saber quanto tempo essa transição levará para se consumar é mero e certamente inútil exercício de futurologia. Até porque provavelmente não ocorrerá exatamente uma transição, mas apenas a acomodação de uma nova mídia no amplo universo da comunicação. Tem sido assim ao longo da História.
Tranquilizem-se, portanto, os amantes do livro impresso. Tal como "a colher, o martelo, a roda ou a tesoura", ele veio para ficar, pelo menos até onde a vista alcança. E não se desesperem os novidadeiros amantes de gadgets. Estes continuarão sendo inventados e aprimorados por força da voracidade do business globalizado. E é possível até mesmo que algum deles venha a se tornar definitivo e entrar no time do livro, da colher, da roda...
Assim, o livro-forma parece prescindir dos cuidados de quem teme por seu futuro. Mas já não se pode dizer o mesmo do livro-conteúdo. Que é o que interessa. Este, sim, corre sério risco de soçobrar na tormenta de um mercado movido por insaciável apetite de lucros.
É claro que este é um fenômeno universal, resultante do paradoxo de um extraordinário desenvolvimento tecnológico capaz de globalizar as comunicações e a economia, mas absolutamente desinteressado de acabar com a fome no planeta. Será que são coisas incompatíveis? Faz mais sentido acreditar que seja questão de valores. Valores humanos.
Voltando aos livros, quando os valores humanos passam a se traduzir em cifras, os conteúdos dançam e livro bom passa a ser livro que vende. Não é força de expressão. É uma realidade relativamente recentemente no mercado editorial brasileiro, mas conhecida há pelo menos meio século, por exemplo, no dos Estados Unidos.
Jason Epstein, diretor da Random House por 40 anos e um dos fundadores de The New York Review of Books, afirma sobre as transformações do mercado editorial norte-americano em meados do século passado: "Durante esse período, o ramo da edição de livros desviou-se de sua verdadeira natureza, assumindo, coagido pelas desfavoráveis condições de mercado e pelos equívocos dos administradores distanciados, a postura de um negócio convencional. Essa situação levou a muitas dificuldades, pois publicar livros não é um negócio convencional. Assemelha-se mais a uma vocação ou a um esporte amador, em que o objetivo principal é a atividade em si, em vez do seu resultado financeiro" (O Negócio do Livro: Passado - Presente e Futuro do Mercado Editorial - Record, 2002, tradução de Zaida Maldonado, página 21).
Segue na mesma linha o editor franco-norte-americano André Schiffrin, durante 30 anos diretor da Pantheon e cofundador, em 1990, em Nova York, da editora sem fins lucrativos The New Press: "Na Europa e nos Estados Unidos, o trabalho de edição de livros tem longa tradição de ser uma profissão intelectual e politicamente engajada. Os editores sempre se orgulharam de sua capacidade de equilibrar o imperativo de ganhar dinheiro com o de lançar livros importantes. Nos últimos anos, à medida que a propriedade das editoras mudou de mãos, essa equação foi alterada. Hoje, frequentemente o único interesse do proprietário é ganhar dinheiro, e o máximo possível" (O Negócio dos Livros - Como as Grandes Corporações Decidem o que Você Lê - Casa da Palavra, 2000, tradução de Alexandre Martins, página 23).
Por aqui, era inevitável que o fundamentalismo de mercado também acabasse se instalando no negócio dos livros. Não faz muito tempo, num painel de editores promovido pela Fundação Instituto de Administração (FIA), com apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL), ficou grotescamente evidente a divisão entre os profissionais do ramo. Durante os debates, um jovem e impetuoso autointitulado defensor da saúde financeira dos empreendimentos editoriais (eu não imaginava que houvesse alguém contra isso...) lançou indignadamente sobre os do "outro lado" o anátema implacável: "Conteudistas!"
Refeito do susto, pude até a me divertir com a ideia de propor aos do "outro lado" a união em torno de uma nova sigla, a CPC - Confraria dos Perigosos Conteudistas. Pois, como ensina o mestre Millôr Fernandes, aliás Vão Gôgo, ridendo castigat mores. Quer dizer: rindo castiga-se mais...
JORNALISTA É EDITOR-ASSOCIADO DA GLOBAL EDITORA.
E-MAIL: APQUARTIM@DUALTEC.COM.BR
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,e-o-fim-do-livro-rir-para-nao-chorar,581890,0.htm
16/07/2010
quinta-feira, 15 de abril de 2010

QUANDO TUDO ACONTECEU...
O maior escritor infantil brasileiro de todos os tempos, José Bento Monteiro Lobato, nasceu em 18 de abril de 1882, em Taubaté (SP). Cresceu numa fazenda, se formou em direito sem nenhum entusiasmo, já que sempre quis ser pintor! Desenhava bem! Quando estudante, participou do grupo "O Cenáculo" e entre risadas e leituras insaciáveis, escreveu crônicas e artigos irreverentes. - Em 1907 foi para Areias como promotor público, casou com Maria Pureza com quem teve três filhos. Entediado com a vida numa cidade pequena, escreveu prefácios, fez traduções, mudou para a fazenda Buquira, tentou modernizar a lavoura arcaica, criou o polêmico "Jeca Tatu", fez uma imensa e acalentada pesquisa sobre o SACI publicada no Jornal O Estado de São Paulo. - Em 1918 lançou, com sucesso, seu primeiro livro de contos URUPÊS. Fundou a Editora Monteiro Lobato & Cia, melhorando a qualidade gráfica vigente, lançando autores inéditos e chegando à falência. - Em 1920 lançou A MENINA DO NARIZ ARREBITADO, com desenhos e capa de Voltolino, conseguindo sua adoção em escolas e uma edição recorde de 50.000 exemplares. - Fundou a Cia Editora Nacional no Rio de Janeiro. Convidado pra ser adido comercial em New York ficou lá por 4 anos (de 1927 a 1931) fascinado por Henry Ford, pela metalurgia e petróleo. Perdeu todo seu dinheiro no crash da bolsa. - Voltou para o Brasil, se jogou na Campanha do Petróleo, fazendo conferências, enviando cartas, conscientizando o país inteiro da importância do óleo. Percebeu, então, o quanto era conhecido e popular. Foi preso! Alternou entusiasmo e depressão com o Brasil. - Participou da Editora Brasiliense, morou em Buenos Aires, foi simpatizante comunista, escreveu para crianças ininterruptamente e com sucesso estrondoso, traduziu muito e teve suas obras traduzidas. - Morreu em 4 de julho de 1948 dum acidente vascular. - Suas obras completas são constituídas por 17 volumes dirigidos às crianças e 17 para adultos englobando contos, ensaios, artigos e correspondência..
quinta-feira, 25 de março de 2010
'Eletrônicos duram 10 anos; livros, 5 séculos', diz Umberto Eco
Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros ("muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques", informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril.
A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento - naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada - encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. "Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes", comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.
Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros - que, no momento, lideram sua preferência - como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos - caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações.
Aos 78 anos, Eco - que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) - exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco - envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) - conversou com a reportagem do Sabático.
O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?
O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.
Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?
A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar - muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa - é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.
Não é possível prever o futuro da internet?
Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.
Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?
O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias - de Paris a Nova York, por exemplo - sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?
É possível existir contracultura na internet?
Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.
Em um determinado trecho de 'Não Contem Com o Fim do Livro', o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória - que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.
De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos - até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?
No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.
Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.
Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?
Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto - o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.
Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?
Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil - o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.
Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?
Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).
Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.
E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas - por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia O Pêndulo de Foucault, fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.
Por falar em 'O Pêndulo de Foucault', comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código de Da Vinci, de Dan Brown.
Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: "O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros." Respondi: Não é que eu não goste de você - afinal, eu criei você (risos).
Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?
De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.
Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?
Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. "Por quê?", perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances - até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.
O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?
Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro A Estrutura Ausente. Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em O Pêndulo de Foucault.
Publicado em O Estado de S. Paulo de 13/03/2010.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Agora, entregar o que promete
Auspiciosa a notícia da inauguração, no último dia 8, da Biblioteca de São Paulo. Plantada no Parque da Juventude, área onde funcionou até poucos anos atrás a tristemente lembrada Casa de Detenção do complexo do Carandiru, a Biblioteca de São Paulo propõe-se ao audacioso desafio de funcionar como um centro dinâmico de cultura, um modelo inovador de biblioteca tecnologicamente equipado para se integrar à comunidade, atrair leitores e promover o hábito da leitura. E, paralelamente, treinar profissionais para a rede de bibliotecas municipais e privadas (mais de 900) espalhadas por pouco mais de 600 cidades do Estado.
Esse é o importante serviço a ser prestado a São Paulo e ao Brasil pela nova unidade da Secretaria da Cultura do Estado. Mas outro serviço, certamente não menos relevante, a Biblioteca de São Paulo já prestou ao País: comprovou a agilidade e eficiência de um modelo de gestão que permitiu a sua instalação completa e sua inauguração em prazo inacreditavelmente curto para uma obra pública desse porte.
Tal qual já ocorre com a Casa das Rosas, o Museu da Língua Portuguesa, a Casa Guilherme de Almeida e o projeto São Paulo: Um Estado de Leitores (Spel), a Biblioteca de São Paulo está vinculada à organização social Poiesis - Associação dos Amigos da Casa das Rosas, da Língua e da Literatura, associação civil sem fins lucrativos que, nessa condição, está desobrigada de se submeter ao enorme cipoal de entraves burocráticos que regula, por exemplo, a licitação de obras na administração direta. Caso exatamente inverso, e tristemente significativo, é o da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, a maior biblioteca do Estado e a segunda do País, superada apenas pela Biblioteca Nacional, que está há três anos fechada à espera de que a burocracia oficial se entenda sobre objetivos, custos e prazos de uma reforma há décadas reclamada, já muito bem concebida e planejada, mas que ninguém ousa prever quando será finalmente completada.
Não se pode comparar, é claro, de um lado, o porte de uma instituição como a Mário de Andrade, que reúne um acervo de cerca de 3,2 milhões de itens documentais num prédio de 22 andares, e, de outro, o tamanho da biblioteca estadual, com 4.200 metros quadrados e acervo inicial de 40 mil livros, CDs e DVDs (até porque esta última não se propõe a ser apenas, ou principalmente, um depositório de acervos). Mas a comparação entre os modelos de gestão aplicados na reforma de uma e na instalação de outra explica, para além de qualquer dúvida ou tergiversação estatizante, por que a Mário de Andrade está fechada há três anos, enquanto o projeto de criação da unidade estadual foi concebido e realizado em poucos meses.
Há menos de dois anos o secretário de Cultura, João Sayad, foi buscar na capital chilena o modelo da Biblioteca de Santiago, fundada em 2005 com a proposta inovadora de transformar o conceito tradicional de gabinete de leitura em centro dinâmico de cultura voltado para uma intensa ação proativa na captação de "clientes", especialmente o público jovem - e, consequentemente, no incentivo ao hábito da leitura. É claro que, como ocorre na de Santiago do Chile, na nova biblioteca paulista será possível também consultar e até tomar emprestados livros de um acervo que, inicialmente modesto, certamente crescerá com novas aquisições e doações. E a captação desse acervo deverá dar atenção especial a lançamentos editoriais mais recentes e bem-sucedidos em vendas, como parte importante da estratégia considerada mais adequada para atrair o público jovem. João Sayad costuma dizer que a Biblioteca de São Paulo "precisa parecer e atuar mais como uma livraria do que como uma biblioteca tradicional". E a arquitetura interna, associada à decoração da nova unidade, remete realmente à ideia de uma dessas modernas, amplas e coloridas megalivrarias que nos últimos anos passaram a conquistar espaço nos shopping centers, e não ao ambiente sisudo e silencioso de uma biblioteca tradicional.
Tudo muito bonito, colorido e promissor. Até pela natureza quase lúdica do trabalho que se propõe a desenvolver, e da agilidade para tanto que o modelo de gestão de uma organização social propicia, a visibilidade pública da nova biblioteca está praticamente garantida. Mas igualmente muito importante - embora certamente menos charmosa -, porque se bem-sucedida resultará na multiplicação dos efeitos positivos de uma ação cultural voltada para o livro e a leitura, será a tarefa de preparar profissionais para atuarem nas centenas de bibliotecas públicas e privadas que se espalham por todo o Estado. As municipais, principalmente, são em sua grande maioria absolutamente carentes de mão de obra minimamente especializada. E por isso a triste realidade é que não funcionam.
O quadro de funcionários de uma biblioteca, e não necessariamente apenas os atendentes, deve ser constituído, por definição, por profissionais preparados e dedicados à mediação da leitura. É verdade que nem mesmo nas grandes livrarias é fácil encontrar atendentes familiarizados com livros. É clássica, tanto quanto folclórica, a história do "livreiro" que, solicitado a ajudar na procura de Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, encaminhou o leitor à estante de agricultura. Mas o comércio varejista não tem obrigação - e, geralmente, nem vontade - de entender de livros. Já do poder público é razoável esperar que cumpra por inteiro as responsabilidades que assume.
Vamos torcer, portanto, para que a Biblioteca de São Paulo nos entregue tudo o que promete
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Leituras para o verão
Com os primeiros calores, já se sabe, é fatal como o destino, jornais e revistas, e uma vez por outra alguma televisão de gostos excêntricos, vêm perguntar ao autor destas linhas que livros recomendaria ele para ler no Verão. Tenho-me furtado sempre a responder, porquanto considero a leitura actividade suficientemente importante para dever ocupar-nos durante todo o ano, este em que estamos e todos os que vierem.
Um dia, perante a insistência de um jornalista teimoso que não me largava a porta, resolvi ladear a questão de uma vez por todas, definindo o que então chamei a minha "família de espírito", na qual, escusado será dizer, faria figura de último dos primos. Não foi uma simples lista de nomes, cada um deles levava a sua pequena justificação para que melhor se entendesse a escolha dos parentes.
Incluí nos Cadernos de Lanzarote a imagem final da "árvore genealógica" que me tinha atrevido a esboçar e repito-a aqui para ilustração dos curiosos. Em primeiro lugar vinha Camões porque, como escrevi em O Ano da Morte de Ricardo Reis, todos os caminhos portugueses a ele vão dar. Seguiam-se depois o Padre António Vieira, porque a língua portuguesa nunca foi mais bela que quando a escreveu esse jesuíta, Cervantes, porque sem o autor do Quixote a Península Ibérica seria uma casa sem telhado, Montaigne, porque não precisou de Freud para saber quem era, Voltaire, porque perdeu as ilusões sobre a humanidade e sobreviveu ao desgosto, Raul Brandão, porque não é necessário ser um génio para escrever um livro genial, o Húmus, Fernando Pessoa, porque a porta por onde se chega a ele é a porta por onde se chega a Portugal (já tínhamos Camões, mas ainda nos faltava um Pessoa), Kafka, porque demonstrou que o homem é um coleóptero, Eça de Queirós, porque ensinou a ironia aos portugueses, Jorge Luis Borges, porque inventou a literatura virtual, e, finalmente, Gogol, porque contemplou a vida humana e achou-a triste.
Que tal? Permitam-me agora os leitores uma sugestão. Organizem também a sua lista, definam a "família de espírito" literária a que mais se sentem ligados. Será uma boa ocupação para uma tarde na praia ou no campo. Ou em casa, se o dinheiro não deu para férias este ano.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Passando a noite em uma biblioteca
No fim da tarde de um sábado de maio, os funcionários da Biblioteca Municipal de Seixal, a 30 quilômetros de Lisboa, organizavam as estantes de livros. Embora esse fosse o procedimento-padrão antes de encerrar o expediente, naquele dia a arrumação tinha outro motivo: receber um grupo de 20 meninos e meninas, entre 8 e 11 anos, que iriam passar a noite ao lado dos livros. Oito e meia da noite era a hora marcada para começar a exploração de um am biente repleto de saberes, com muita leitura e contação de histórias, e que só terminari a na manhã seguinte.
Ao chegar, para que todos se conhecessem, nada de apresentações formais. Os pequenos preencheram os crachás uns dos outros. Enquanto Diogo, o mais velho do grupo, fazia o de Beatriz, ela revelou uma de suas leituras preferidas: a poesia portuguesa de José Jorge Letria. Sabe por quê? "Porque ele me faz sentir bem", explicou, do alto de seus 8 anos.
Com todos já devidamente identificados, começou uma correria pelo ambiente. Como se estivessem em uma caça ao tesouro, as crianças seguiam pistas e procuravam por respostas para as questões escritas em fichas que tinham em mãos. Tratava-se de um desafio -- ou melhor, um peddy-paper, como se diz em Portugal -- para descobrir como é organizada e funciona uma biblioteca.
Regras decifradas e normas esclarecidas, hora de vestir o pijama, arrumar os sacos de dormir e ouvir histórias para embalar o sono e, quem sabe, alimentar os sonhos. Caprichando na entonação, a bibliotecária Susana Filipe leu O Incrível Rapaz Que Comia Livros, obra escrita pelo australiano Oliver Jeffers. Quando a leitura terminou, Tomáz, 11 anos, lá no fundo da sala, gritou: "Mais uma, mais uma! Pode contar mais 1,5 bilhão de histórias!" Pedido atendido: com as luzes apagadas, Susana leu A Grande Questão, do alemão Wolf Erlbruch. Um a um, os pequenos adormeceram.
No dia seguinte, assim que acordaram, as meninas correram a se enfeitar com presilhas e tiaras. Os meninos lotaram as mãos com gel para domar os cabelos rebeldes. Tudo muito rápido porque ninguém queria desperdiçar um só minuto da programação de domingo. Depois do desjejum, mais uma história - dessa vez, de autoria da brasileira Ana Maria Machado: O Pavão do Abre-e-Fecha. O enredo alimentou o desejo da turma de se perder entre as estantes da biblioteca à procura de novos títulos. "É importante que as crianças também possam escolher livremente para que a leitura seja significativa", disse a bibliotecária Carla Gomes. Ao seu lado, a funcionária Maria Elizabete Ferreira, que também passou a noite em claro velando o sono da garotada, confessou que para ela a recompensa do projeto está guardada para o futuro. "Esperamos que, depois de crescidos, todos esses estudantes se lembrem dessa noite e saibam que uma biblioteca é um espaço de aprendizagem."
Pelos corredores do prédio, enquanto os pequenos arrumavam as mochilas para voltar para casa, era possível ouvir suas vozes, ecoando "Vitória, vitória, acabou-se a história!", uma frase típica portuguesa que marca o fim dos contos infantis neste lado do oceano.
Artigo de Taynar Costa publicado na Revista Nova Escola, edição 225, setembro de 2009. Foto de Luciana Cristovam.
sábado, 3 de outubro de 2009
Felicidade clandestina
Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-la. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tornava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-la, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Conto publicado em:
Lispector, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro : Rocco, 1998. p. 9-12.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Dica de leitura

Leitura pra lá de divertida!
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Conhecendo Sampa





terça-feira, 15 de setembro de 2009
A descoberta da leitura
Meu filho mais velho sempre bradou aos quatro ventos que odeia ler e que aprender Língua Portuguesa não serve para nada. E, para piorar, fica fazendo planos terríveis para eliminar de vez de sua vida a professora da disciplina, envolvendo os colegas em projetos delirantes para atingir seu objetivo. E, claro, com toda essa pré-disposição de não aprender, já pegou três recuperações este ano (na escola em que ele estuda as recuperações são feitas mensalmente, com aulas semanais no contra-turno). Uma delas envolvia a leitura de um livro nas férias.
A professora deu, no último dia de aula, uma lista com dez opções para ele escolher uma. “O problema”, argumentou muito raivoso, “é ela ficar obrigando a gente a ler o que ela quer e não o que a gente quer”. Não dei muita bola para isso, pedi para ele optar por um, fomos à livraria e compramos um exemplar. Ele leu na primeira semana umas 20 páginas de um total de 180.
Porém, no domingo antes da volta às aulas, dia 29 de julho, pego novamente o comunicado sobre a lição de férias e vejo que, no final, tem uma observação: “Será feita uma prova sobre a leitura depois do dia 31 de julho”.
Em que pese eu estar convicta de que prova de leitura é uma coisa muito chata, achei que em alguns casos ela pode ser uma ferramenta boa de convencimento. E ainda fui bem irônica: “Você tem sorte: a prova será somente depois de amanhã. Você tem uma tarde para terminar o livro”. E, por mais sorte ainda, na terça não tinha aula de Língua Portuguesa. Logo, duas tardes. Bolamos uma plano de leitura, em que ele tinha de devorar 80 páginas por dia, eliminando qualquer pausa para televisão, computador e congêneres.
E não é que funcionou! Fiquei até emocionada quando ele me telefonou no meio da tarde de terça e contou entusiasmado: “Mãe, esse livro é super legal! Essa história é o máximo! Ler é muito bom! Vou ler três livros por mês de agora em diante!...” E ele quis me contar todo o enredo naquela hora. Ouvi com atenção, me envolvi com os personagens, e ele foi fazer a tal da prova muito seguro (na verdade, um bate-papo com a professora sobre os personagens, o foco narrativo etc.).
Aproveitei a oportunidade para dar uma forcinha para a professora, que agora não corre mais risco de vida: “Tá vendo como foi importante ela obrigar a ler? Você nunca teria descoberto o prazer da leitura se ela não tivesse te dado essa tarefa!” (Ela fica me devendo essa).
Comentei esse fato com o Marcelo e agora reparto com vocês. Ainda há esperança: um jovem que afirma não gostar de ler pode, um dia, despertar para esse prazer!
Mas falhei em um ponto: deveria ter feito com que meu filho escrevesse em um papel a promessa de ler três livros por mês e assinasse embaixo...
Artigo de Paola Gentili publicado na revista Nova Escola em 07/08/2007.